11 de junho de 2009

capítulo 8. o debate após o advento do som

A microfisionomia do close up oferece uma janela para a alma, e o dispositivo cinematográfico serve como espelho para o dispositivo psíquico. Balázs

O advento do som ocasionou um debate considerável sobre os méritos relativos do cinema sonoro e do cinema mudo e, consequentemente, uma própria retomada da discussão sobre a essência do cinema. Para muitos teóricos, o cinema falado seria uma regressão, um estímulo à difusão do teatro nesse meio, uma ameaça a cultura da montagem e, inclusive, um comprometimento à beleza visual. Alguns defensores do cinema mudo consideravam este a forma definitiva e paradigmática da sétima arte.

Estudioso do diálogo entre as artes e a psicologia, Arnheim acreditava que os julgamentos equivocados sobre o cinema ocorrem quando os padrões do teatro, da pintura e da literatura são aplicados. Atributos do meio como a redução da profundidade, a projeção de objetos sólidos sobre uma superfície plana, a ausência de cor, a falta de um continuum espaço-temporal e a exclusão de todos os sentidos que não o visual seriam importantes atributos para distinguir o cinema da realidade e da percepção cotidiana.

Com o argumento de que aparentes deficiências constroem a pujança estética, a falta de profundidade de campo, por exemplo, traria ao cinema um bem-vindo elemento de irrealidade. A facilidade de manipulação (luz, câmera, montagem) faria do cinema mais que um simples registro mecânico, capaz, portanto, de expressividade artística.

Balázs foi um grande poeta do close-up cinematográfico. Este revelaria “coisas ocultas, intimidades da vida em miniatura, o jogo polifônico dos traços nas sucessivas emoções sobre a face, oferecendo uma janela para a alma como um espelho para o dispositivo psíquico”.

Balázs também antecipou a posterior teoria da “identificação como absoluta novidade artística do cinema”. Ao trilhar o caminho para uma nova cultura do “homem visível”, o cinema poderia “contribuir para a diminuição das diferenças entre as inúmeras raças e nações, tornando-se, dessa forma, um dos mais úteis pioneiros do desenvolvimento de uma humanidade universal.”

Embora tenha se queixado, inicialmente, de que o cinema sonoro havia sabotado a expressividade da interpretação cinematográfica, logo Bálazs tornou-se um arguto analista do som no cinema, falando das possibilidades dramáticas do silêncio e a “intimidade do som” que traria a percepção de sonoridades habitualmente apagadas pelo costumeiro alarido da vida cotidiana. O autor também assinala que os críticos do som jamais se opuseram a sonoridades no cinema (trilha, ruídos dos objetos), mas tinham apenas no diálogo um grande inimigo a combater.

Siegfried Kracauer inquietava-se com o potencial tanto de alienação quanto de libertação dos meios de comunicação de massa. A tarefa do cinema, para ele, consistia em enfrentar o mal-estar social sem pestanejar, promover uma espécie de pessimismo ativista, mostrar que não vivemos no melhor dos mundos possíveis e, dessa forma, lançar dúvidas sobre a ideologia dominante.

Também nesse período, entre 1927 e 1933, revistas como a Close Up promoveram discussões sobre “raça e racismo”. Com representantes da modernidade feminina literária, anteciparam-se discussões como a de “auto-representação” e “primitivismo”, que ganhariam força nos anos 80.

Por João Marcos Veiga de Oliveira - junho/2009