Após o advento do som no cinema, as discussões sobre essa forma de expressão se centraram na sua essência. As teorias dos “formativos” e “realistas” foram as mais discutidas. Para os formativos, o que caracterizava o cinema era seu distanciamento com o real. Já os realistas pensavam o contrário, que o cinema refletia o cotidiano. Teóricos formativos como Arnheim e Balázs defendiam um cinema intervencionista, diferente do real. E os realistas, influenciados pelo neo-realismo italiano, defendiam o cinema como mimese, como o cinema revelador.
O neo-realismo italiano, expoente da teoria realista, nasceu das cinzas do pós-guerra nos anos 40. País componente da potência do Eixo, vencido pela segunda guerra mundial, a Itália precisava recuperar sua identidade e sua autoestima. O cinema, portanto serviu para reconstituir essa identidade. De acordo com Cesare Zavattini, teórico e cineasta, “a guerra e a libertação (...) ensinaram os diretores a descobrirem o valor do real.” (STAM, 2000, p.92). O filme Roma, cidade aberta marcou os italianos pela forma de representar o país e a nova safra de cinema italiano.
Zavattini acreditava na aproximação entre a vida e a arte, em transformar a realidade em uma história para o cinema e todo assunto poderia servir para isso. Os teóricos do realismo pensavam em um cinema sem mediações, em que “os fatos ditassem a forma e os acontecimentos parecessem contar-se a si próprio”. (STAM, 2000, p. 92)
Guido Aristarco, inspirado pelos marxistas Lukács e Gramsci e no cinema antifascista do neo-realismo italiano, defendia um “realismo crítico” em que situações e figuras exemplares representassem a transformação da dinâmica social.
Para os teóricos André Bazin e Siegfried Kracauer , outro ponto que fortalecia a visão do cinema como espelho do real, apoiava-se no uso da tecnologia fotográfica, que garantia a objetividade do cinema. A fotografia dava credibilidade ao cinema, porque não precisava da intervenção do homem como a pintura e a poesia. Essa “impessoalidade”, para Bazin, fazia do cinema a “mumificação” do real. “O cinema materializava um desejo profundamente enraizado de substituir o mundo por seu duplo. Combina a mimese fotográfica estática à reprodução do tempo (...)” (STAM, 2000, p.93). Bazin achava que o realismo era “o mito do cinema total”, em que o cinema era a representação total e completa da realidade.
Bazin, ao comparar os cineastas realistas com os demais, afirmou que os realistas eram crentes da realidade e os demais crentes das imagens. Os expressionistas alemães e os diretores soviéticos da montagem fragmentavam o continuum espaço-temporal e os cineastas da realidade utilizavam do tempo e espaço do plano-sequência e a profundidade de campo sem alterar o tempo e intervindo o mínimo no direcionamento da imagem através da profundidade de campo. Para Bazin, a profundidade de campo significava uma política de democratização da percepção cinematográfica, pois permitia ao espectador a escolha dos planos.
Além da representação do real, o cinema também revelava a psique do coletivo que o produzia, segundo Kracauer. Por ser uma arte coletiva, o cinema mobiliza a massa não pelo tema explícito, mas pelos desejos implícitos e pelo inconsciente oculto contidos no filme. O autor reconheceu em alguns vídeos do expressionismo alemão, entre eles O gabinete do Dr. Caligari (1921) e O Vampiro de Düsseldorf (1931), tendências nazistas representadas pelo autoritarismo nos filmes. Portanto, Kracauer considerava o cinema realista em outro sentido, no de representar os desejos mais profundos e inconscientes da paranóia nacionalista.
A essência do cinema foi discutida também por esses autores. Kracauer definia o cinema pelo uso da fotografia e o registro da vida cotidiana. A teoria dos anos 50 e 60 comparou o cinema com os outros tipos de arte. Alexandre Astruc, que cunhou a expressão “a câmera-caneta” acreditava que os cineastas deferiam se portar como os romancistas. Para Maurice Scherer, o cinema deveria se inspirar em outras artes como o teatro e a literatura. Para ele, o cinema “não precisa abrir mão de seus direitos e recorrer a outras artes ou inspirar-se nelas” (STAM, 2000, p.99)
A fenomenologia, retornando o pensamento para “as coisas em si mesmas”, relacionou o cinema com a filosofia. Merleau Ponty acreditava que “o cinema é particularmente adequado para expressar a união entre a mente e o corpo, entre mente e mundo, e a expressão de cada um deles no outro...”. Para o filósofo, o cinema era uma forma de expressão do ser no mundo e tinha a mesma forma de cognição intelectual que a filosofia, portanto, o cinema não era pensado, mas percebido.
Por Ana Carolina Jácome -junho/2009