13 de junho de 2009

capítulo 12. a americanização da teoria do autor

O cinema de autor nas mãos dos norte-americanos serviu para inflamar o nacionalismo que afirmava a sua superioridade. O teórico Andrew Sarris, que trouxe a teoria do autor para os EUA, achava um absurdo que os europeus consideravam arte nas enfadonhas adaptações de clássicos da literatura e apenas entretenimento nos cinemas de Hitchcock e John Ford.

Para Sarris, o cinema de autor é reconhecido por três critérios:


· Competência técnica;
· Uma personalidade reconhecível;
· Um sentido interno que emerge da tensão entre personalidade e o material.

Porém, esses critérios foram desmascarados por Pauline Kael. A competência técnica era um critério duvidoso, porque alguns cineastas como Antonioni estavam muito além da competência técnica. Para Kael, o autor pode ter uma personalidade reconhecível nos seus filmes, mas pode repetir inúmeras vezes a fórmula da sua personalidade sem nunca mais buscar algo de novo e a o sentido interno era vago e parecia encaixar alguns cineastas medíocres que forçavam um estilo nas fendas do filme.

O autorismo foi criticado também por colocar o diretor acima da equipe que realiza o filme, de menosprezar a coletividade na produção cinematográfica. O cinema não é um poema que pode ser escrito no quardanapo, ele precisa de câmera, equipe e dinheiro para ser realizado. Portanto, qualquer teoria de autor deve levar em conta a equipe na autoria cinematográfica. Mas não podemos retirar o mérito da teoria do autor de deslocar a atenção do “o que” (história, tema do filme), para o “como” (estilo, técnica). Além disso, a teoria do autor legitimou o cinema na literatura e na academia.

Por Ana Carolina Jácome - junho/2009

capítulo 11. o culto ao autor

As teorias e as críticas do cinema no final da década de 50 e início dos 60 eram guiadas por um movimento chamado autorismo. Esse movimento era influenciado pelas teorias existencialistas de Sartre: “a existência precede a essência”, e dessa forma, o cineasta era o centro do fazer cinematográfico, interferindo diretamente no estilo do filme.
O autorismo foi resultado dos estudos do cinema realizados em revistas da área, cineclubes, festivais de cinema, na Cinémathèque Française, em que eram projetados filmes norte-americanos.

Nessa teoria, relembrando o termo “cinema-caneta” de Alexandre Astruc, o cineasta deveria assinar o seu filme, valorizar o ato de filmar. Na época, o diretor de cinema era um mero serviçal da adaptação do texto. Sendo assim, o autorismo defendia a independência do diretor para realizar o filme a sua maneira.

François Truffaut foi um cineasta importante nessa corrente. Ele era contra o cinema institucionalizado, comercial, que possuía sua receita de bolo para fazer cinema. Truffaut não concordava com a “tradição da qualidade”, que adaptava clássicos da literatura para o cinema seguindo a mesma fórmula estética. Ao contrário da tradição de qualidade, Truffaut defendia o cinema independente norte-americano de Nicholas Ray, Robert Aldrich e Orson Welles. Para o cineasta, “o novo cinema se assemelharia a quem o realizasse, não tanto pelo conteúdo autobiográfico, mas pelo estilo, que impregna o filme com a personalidade do diretor.” (STAM, 2000, p.103). Hitchcock, para os Cahiers (críticos e cineastas que escreviam na revista Cahiers du Cinéma, principal difusora da teoria do autor) era um gênio da técnica cinematográfica e profundo metafísico, em que suas obra giravam em torno da “transferência da culpa”.

A discussão do autorismo antecedeu as décadas de 50 e 60. A legitimação do cinema como arte já suscitava a comparação de cineastas com pintores e escritores. Diretores como Griffith e Eisenstein haviam comparado suas obras com as de escritores como Flaubert e Dickens. Na década de 40, revistas de cinema defendiam uma produção artesanal, assinada.
A Nouvelle Vague, corrente formada pelos críticos e cineastas da Cahiers du Cinéma, era adepta a metáfora escritural, em que os filmes e artigos poderiam ser duas formas possíveis de expressão. Não é à toa que os filmes da Nouvelle Vague são cheios de referências à escrita. Para Godard, “estamos sempre sós, seja no estúdio ou diante de um papel em branco”.

A teoria do autor veio combater os quatro pontos centrais que circundavam o cinema naquela época:
· Menosprezo elitista do cinema por intelectuais do campo literário;
· Cinema é uma arte menor por ser uma expressão visual;
· Teoria da cultura de massa que acreditava no cinema como forma de manipular e alienar politicamente a massa;
· O antiamericanismo da elite literária francesa.

Para os defensores da teoria do autor, cineastas como Eisenstein, Welles e Renoir eram autores, como Hawks e Minnelli. Portanto, para os novos cineastas, o cinema norte-americano serviria como base para o cinema francês.

Bazin alerta para o perigo da teoria do autor de colocar o diretor como infalível. O autorismo, para o teórico, também deve se unir a outras correntes cinematográficas como a histórica, tecnológica e sociológica. Bazin cita o exemplo de Curtiz no filme Casablanca, que registra um momento histórico sem se afirmar como cinema de autor.

Briga Truffaut e Godard

Nouvelle Vague brasileira

Por Ana Carolina Jácome - junho/2009

capítulo 10. a fenomenologia do realismo


Após o advento do som no cinema, as discussões sobre essa forma de expressão se centraram na sua essência. As teorias dos “formativos” e “realistas” foram as mais discutidas. Para os formativos, o que caracterizava o cinema era seu distanciamento com o real. Já os realistas pensavam o contrário, que o cinema refletia o cotidiano. Teóricos formativos como Arnheim e Balázs defendiam um cinema intervencionista, diferente do real. E os realistas, influenciados pelo neo-realismo italiano, defendiam o cinema como mimese, como o cinema revelador.

O neo-realismo italiano, expoente da teoria realista, nasceu das cinzas do pós-guerra nos anos 40. País componente da potência do Eixo, vencido pela segunda guerra mundial, a Itália precisava recuperar sua identidade e sua autoestima. O cinema, portanto serviu para reconstituir essa identidade. De acordo com Cesare Zavattini, teórico e cineasta, “a guerra e a libertação (...) ensinaram os diretores a descobrirem o valor do real.” (STAM, 2000, p.92). O filme Roma, cidade aberta marcou os italianos pela forma de representar o país e a nova safra de cinema italiano.

Zavattini acreditava na aproximação entre a vida e a arte, em transformar a realidade em uma história para o cinema e todo assunto poderia servir para isso. Os teóricos do realismo pensavam em um cinema sem mediações, em que “os fatos ditassem a forma e os acontecimentos parecessem contar-se a si próprio”. (STAM, 2000, p. 92)
Guido Aristarco, inspirado pelos marxistas Lukács e Gramsci e no cinema antifascista do neo-realismo italiano, defendia um “realismo crítico” em que situações e figuras exemplares representassem a transformação da dinâmica social.

Para os teóricos André Bazin e Siegfried Kracauer , outro ponto que fortalecia a visão do cinema como espelho do real, apoiava-se no uso da tecnologia fotográfica, que garantia a objetividade do cinema. A fotografia dava credibilidade ao cinema, porque não precisava da intervenção do homem como a pintura e a poesia. Essa “impessoalidade”, para Bazin, fazia do cinema a “mumificação” do real. “O cinema materializava um desejo profundamente enraizado de substituir o mundo por seu duplo. Combina a mimese fotográfica estática à reprodução do tempo (...)” (STAM, 2000, p.93). Bazin achava que o realismo era “o mito do cinema total”, em que o cinema era a representação total e completa da realidade.

Bazin, ao comparar os cineastas realistas com os demais, afirmou que os realistas eram crentes da realidade e os demais crentes das imagens. Os expressionistas alemães e os diretores soviéticos da montagem fragmentavam o continuum espaço-temporal e os cineastas da realidade utilizavam do tempo e espaço do plano-sequência e a profundidade de campo sem alterar o tempo e intervindo o mínimo no direcionamento da imagem através da profundidade de campo. Para Bazin, a profundidade de campo significava uma política de democratização da percepção cinematográfica, pois permitia ao espectador a escolha dos planos.

Além da representação do real, o cinema também revelava a psique do coletivo que o produzia, segundo Kracauer. Por ser uma arte coletiva, o cinema mobiliza a massa não pelo tema explícito, mas pelos desejos implícitos e pelo inconsciente oculto contidos no filme. O autor reconheceu em alguns vídeos do expressionismo alemão, entre eles O gabinete do Dr. Caligari (1921) e O Vampiro de Düsseldorf (1931), tendências nazistas representadas pelo autoritarismo nos filmes. Portanto, Kracauer considerava o cinema realista em outro sentido, no de representar os desejos mais profundos e inconscientes da paranóia nacionalista.

A essência do cinema foi discutida também por esses autores. Kracauer definia o cinema pelo uso da fotografia e o registro da vida cotidiana. A teoria dos anos 50 e 60 comparou o cinema com os outros tipos de arte. Alexandre Astruc, que cunhou a expressão “a câmera-caneta” acreditava que os cineastas deferiam se portar como os romancistas. Para Maurice Scherer, o cinema deveria se inspirar em outras artes como o teatro e a literatura. Para ele, o cinema “não precisa abrir mão de seus direitos e recorrer a outras artes ou inspirar-se nelas” (STAM, 2000, p.99)

A fenomenologia, retornando o pensamento para “as coisas em si mesmas”, relacionou o cinema com a filosofia. Merleau Ponty acreditava que “o cinema é particularmente adequado para expressar a união entre a mente e o corpo, entre mente e mundo, e a expressão de cada um deles no outro...”. Para o filósofo, o cinema era uma forma de expressão do ser no mundo e tinha a mesma forma de cognição intelectual que a filosofia, portanto, o cinema não era pensado, mas percebido.

Por Ana Carolina Jácome -junho/2009

capítulo 9. a escola de frankfurt


Influenciados pela montagem clássica de Griffith, os teóricos do início do século XX acreditavam que o cinema era uma forma de expressão pronta, que não precisava do esforço do espectador para ser recebida e entendida. Por isso, esses teóricos viam o cinema como algo alienante, com capacidade de manipular e homogeneizar as pessoas. Duhamel1, por exemplo, acrescentou que o espectador se tornava um ruminante frente as telas. Para esse teórico, os filmes não faziam o homem se tornar uma pessoa melhor, não provocavam questionamentos nem o fazia pensar e muito menos mudavam a vida de alguém.

Walter Benjamin, contradizendo esses teóricos, acredita num cinema revolucionário, capaz de aumentar a percepção do homem e sua crítica com relação à realidade. Benjamin, antecipando Andy Warhol, disse que todo mundo tinha o direito de ser filmado. Uma das características do cinema que mais chamou a atenção do teórico foi o fato de ele ser uma arte coletiva. “Para Benjamin, o que tornava o cinema único era, paradoxalmente, o seu caráter não-único” (STAM, 2000, p.84).

Por ser um produto industrializado e reproduzível, o cinema não era distante e contemplativo como as artes de gabinete (definidas, dessa forma, pelos teóricos da Escola de Frankfurt). Essas artes, para Benjamin, possuíam uma “aura”, ou seja, aquilo que as torna contemplativa e inacessível. O cinema, por sua vez, era acessível e representava a libertação do pensamento coletivo.

Adorno criticava Benjamin por acreditar no potencial revolucionário das massas e no potencial do cinema – um produto da indústria cultural. O cinema, para Adorno, era uma mercadoria feita apenas com o intuito de ser vendida. E por mais que as artes de gabinete não ficassem imunes às indústrias culturais, o cinema era abertamente um produto e por isso uma expressão menor.

Críticos da sociedade capitalista, Adorno e Horkheimer investigavam as formas de legitimação ideológica do sistema, ou seja, como ele inseria seus valores e programas na cabeça dos indivíduos e acreditavam que o cinema era uma forma de propagação dos ideais capitalistas.

Como saberemos mais tarde, Adorno e Horkheimer não estavam completamente errados. Hollywood foi essencial para os EUA difundirem o american way of life, seus ideais de consumo para o mundo e para manter sua hegemonia. Porém, o cinema não se limita às ideologias capitalistas. As teorias de Benjamin também se aplicam ao cinema que pode provocar a reflexão e crítica.

Por Ana Carolina Jácome - junho/2009

11 de junho de 2009

capítulo 8. o debate após o advento do som

A microfisionomia do close up oferece uma janela para a alma, e o dispositivo cinematográfico serve como espelho para o dispositivo psíquico. Balázs

O advento do som ocasionou um debate considerável sobre os méritos relativos do cinema sonoro e do cinema mudo e, consequentemente, uma própria retomada da discussão sobre a essência do cinema. Para muitos teóricos, o cinema falado seria uma regressão, um estímulo à difusão do teatro nesse meio, uma ameaça a cultura da montagem e, inclusive, um comprometimento à beleza visual. Alguns defensores do cinema mudo consideravam este a forma definitiva e paradigmática da sétima arte.

Estudioso do diálogo entre as artes e a psicologia, Arnheim acreditava que os julgamentos equivocados sobre o cinema ocorrem quando os padrões do teatro, da pintura e da literatura são aplicados. Atributos do meio como a redução da profundidade, a projeção de objetos sólidos sobre uma superfície plana, a ausência de cor, a falta de um continuum espaço-temporal e a exclusão de todos os sentidos que não o visual seriam importantes atributos para distinguir o cinema da realidade e da percepção cotidiana.

Com o argumento de que aparentes deficiências constroem a pujança estética, a falta de profundidade de campo, por exemplo, traria ao cinema um bem-vindo elemento de irrealidade. A facilidade de manipulação (luz, câmera, montagem) faria do cinema mais que um simples registro mecânico, capaz, portanto, de expressividade artística.

Balázs foi um grande poeta do close-up cinematográfico. Este revelaria “coisas ocultas, intimidades da vida em miniatura, o jogo polifônico dos traços nas sucessivas emoções sobre a face, oferecendo uma janela para a alma como um espelho para o dispositivo psíquico”.

Balázs também antecipou a posterior teoria da “identificação como absoluta novidade artística do cinema”. Ao trilhar o caminho para uma nova cultura do “homem visível”, o cinema poderia “contribuir para a diminuição das diferenças entre as inúmeras raças e nações, tornando-se, dessa forma, um dos mais úteis pioneiros do desenvolvimento de uma humanidade universal.”

Embora tenha se queixado, inicialmente, de que o cinema sonoro havia sabotado a expressividade da interpretação cinematográfica, logo Bálazs tornou-se um arguto analista do som no cinema, falando das possibilidades dramáticas do silêncio e a “intimidade do som” que traria a percepção de sonoridades habitualmente apagadas pelo costumeiro alarido da vida cotidiana. O autor também assinala que os críticos do som jamais se opuseram a sonoridades no cinema (trilha, ruídos dos objetos), mas tinham apenas no diálogo um grande inimigo a combater.

Siegfried Kracauer inquietava-se com o potencial tanto de alienação quanto de libertação dos meios de comunicação de massa. A tarefa do cinema, para ele, consistia em enfrentar o mal-estar social sem pestanejar, promover uma espécie de pessimismo ativista, mostrar que não vivemos no melhor dos mundos possíveis e, dessa forma, lançar dúvidas sobre a ideologia dominante.

Também nesse período, entre 1927 e 1933, revistas como a Close Up promoveram discussões sobre “raça e racismo”. Com representantes da modernidade feminina literária, anteciparam-se discussões como a de “auto-representação” e “primitivismo”, que ganhariam força nos anos 80.

Por João Marcos Veiga de Oliveira - junho/2009

capítulo 7. as vanguardas históricas

Se o cinema não é feito para traduzir os sonhos ou tudo que na vida consciente se assemelha ao sonho, então o cinema não existe. Antonin Artaud

As décadas de 10 e 20 foram o período das “vanguardas históricas”, o ápice do experimentalismo nas artes:
- impressionismo na França
-construtivismo na União Soviética
-expressionismo na Alemanha
-futurismo na Itália
-surrealismo na Espanha
-muralismo no México
-modernismo no Brasil

Os filmes de vanguarda definiam-se não apenas por sua estética diferenciada, mas também por seu modo de produção, geralmente artesanal, com financiamento independente e sem conexões com os estúdios ou a indústria.

O modernismo surgiu como campo de força cultural com três coordenadas: arte oficial de regimes ainda vinculados às velhas aristocracias; resposta ao impacto das novas tecnologias da segunda revolução industrial e, por último, como uma esperança de revolução social.

Para os surrealistas, o cinema tinha a capacidade transcendente de liberar o que convencionalmente era reprimido, de mesclar o conhecido e o desconhecido, o mundano e o onírico, o cotidiano e o maravilhoso. Eles demonstravam uma frustração pelo fato de o cinema não ser explorado por seu potencial subversivo, ganhando espaço dramas românticos burgueses através da “infecção sentimental”.

O papa do surrealismo, André Breton, buscava inspiração na Interpretação dos Sonhos de Freud. Assim, a utilização distorcida, jovialmente criativa e utópica que os surrealistas fizeram das teorias freudianas propunham um cinema que em vez de domar, libertaria as energias anárquicas do inconsciente. O principal nome do cinema surrealista é Luís Buñel, diretor que tinha grande interesse na relação entre o cinema e outros estados de consciência. Para Robert Desnos, o cinema era o lócus antecipatório da “libertação poética” e da “intoxicação”, um espaço tempo mágico no qual a distinção entre sonho e realidade, sono e vigília podia ser abolida.

Por João Marcos Veiga de Oliveira - junho/2009

capítulo 6. o formalismo russo e a escola de bakhtin

O movimento formalista floresceu aproximadamente entre 1915 e 1930. Desenvolvido em torno de dois grupos – o Círculo Lingüístico de Moscou e Sociedade de Estudos da Linguagem – estes teóricos planejavam construir uma sólida fundação ou poética para a teoria do cinema, comparável à poética da literatura.

Os formalistas partilhavam com Eisenstein uma espécie de “tecnicismo”, enxergando a arte como a prática de um “ofício’ comparável a de um artesão. Ao buscar uma abordagem científica, eles concentravam-se nas dimensões auto-expressivas. A arte intensificaria a percepção e provocaria um curto-circuito nas respostas automatizadas. Assim, sua função seria destruir as incrustações da percepção costumeira e rotinizada, alcançando um desvio das normas estabelecidas.

Os formalistas compreendiam a arte como um sistema isolado de signos e convenções, e não como o registro dos fenômenos naturais. Para eles, o cinema era um “sistema particular da linguagem figurativa”, cuja estilística trataria da “sintaxe” cinematográfica – a ligação de planos em torno de uma imagem-chave, como um close-up –, ao passo que uma “cine-oração” desenvolvia uma configuração espaço-temporal mais ampla. Apesar de identificar essas estruturas, a estética formalista valorizava não as regras corretas para a seleção e combinação de elementos, mas os desvios das normas técnicas e estéticas, como, por exemplo, a vanguarda futurista.

Os formalistas foram os primeiros a explorar uma analogia entre a linguagem e o cinema, influenciando teorias semióticas. Por outro lado, a contemporânea “Escola de Bakthin” desdenhava dessa espécie de edipalismo literário, com sua perpétua rebelião adolescente contra o que quer que fosse dominante e que abdicava de uma visão muito mais tolerante e de longo prazo da história artística.

Porém, Bakthin e Medvedev compartilhavam certas características com a poética formalista: a recusa de uma visão romântica e expressiva da arte; a rejeição da redução da arte a questões de classe e economia e a visões realistas ingênuas. Mas posicionaram-se criticamente com relação à fetichização formalista que considerava a arte como “a soma de seus procedimentos”, deixando apenas a sensação vazia, o prazer hedonístico da “desfamiliarização” experimentado pelo consumidor individual. Ao entender o formalismo como mecanicista, a-histórico e hermeticamente isolado da vida, o Círculo de Bakthin propunha uma abordagem translinguistica.

Por João Marcos Veiga de Oliveira - junho/2009

capítulo 5. os teóricos soviéticos da montagem

“A montagem tornou-se o axioma inquestionável sobre o qual se construiu a cultura cinematográfica internacional” - Manifesto de 1928 sobre o Som

Nos anos 20, o estilo em bricolagem característico do cinema mudo foi substituído pelas reflexões mais consistentes dos teóricos-cineastas soviéticos da montagem. As idéias desses intelectuais-realizadores, vinculados ao Instituto Estadual de Cinematografia, floresceram num momento de tendências vanguardistas no teatro, pintura, literatura e cinema na União Soviética. Ganhava força a visão de que a indústria cinematográfica socialista, ao combinar criatividade autoral, eficácia política e popularidade de massa, poderia revolucionar e modernizar a Rússia.

Com influências em campos práticos como a engenharia e a arquitetura, enfatizavam a técnica, a construção e o experimento. Assim, a montagem seria o fundamento da cine-poética. Para eles, o plano cinematográfico é destituído de sentido antes de sua inserção em uma estrutura de montagem – assim como numa linha industrial, esta confe brilho e vida aos inertes matérias de base do plano individual.

Para Kuleshov, fundador da primeira escola de cinema do mundo, a arte cinematográfica consistia em exercer o controle sobre os processos cognitivos e visuais do espectador por meio da segmentação analítica de visões parciais. É a técnica, e não a “realidade”, portanto, que ocasiona a emoção no espectador. Pudovkin acreditava que a chave do cinema está nos protocolos de organização do olhar e controle das percepções e sentimentos por meio da montagem, da encenação e de técnicas retóricas como o contraste, o paralelismo e o simbolismo.

O mais influente dos teóricos soviéticos da montagem foi Sergei Eisenstein, pensador prodigioso que acreditava que o prestígio dos filmes andava de par com o da teoria, sendo o cineasta como um engenheiro. Ao invés de “purificar” o cinema, ele preferiu enriquecê-lo por meio de um cruzamento sinestésico com as outras artes. Em lugar de contar histórias através de imagens, o cinema eisensteniano pensa através de imagens, utilizando o choque entre planos para provocar, na mente do espectador, chispas de pensamento resultantes da dialética de preceito e conceito, idéia e emoção.

Em 1928, Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov publicaram o Manifesto do Som, onde expunham considerações sobre o uso do som na montagem (para contrapor a imagem, por exemplo) e seu potencial.

Outro teórico da montagem, Dziga Vertov, em muitos aspectos, era ainda mais radical que Eisentein. Era propunha “sentença de morte ao cinema comercial orientado pelo lucro”. Postulava, em seu lugar, “a exploração sensorial do mundo através do cine-olho e da antropomorfização da câmera. Seu objetivo era criar um “cinema-verdade capaz de auxiliar cada indivíduo oprimido a entender o fenômeno da vida ao seu redor. Vertov advogava a filmagem documental nas ruas, longe dos estúdios, a fim de mostras as pessoas sem máscaras.

Porém, as supostas diferenças entre os vários teóricos da montagem pouco significaram aos olhos do regime oficial stalinista, visto que praticamente todos passaram a enfrentar problemas após 1935 – quanto o “realismo socialista” foi adotado como estética oficial do Partido Comunista Soviético – passando a ser atacados por seu “idealismo”, “formalismo’ e “elitismo”.

Por João Marcos Veiga de Oliveira - junho/2009

capítulo 4. a essência do cinema

“É chegado o tempo da imagem! O cinema dotará os seres humanos de uma nova consciência cinestética: os espectadores ouvirão com os olhos” - Abel Gance (in L`arte Cinématographique - 1927)

Desde o surgimento do cinema como meio, busca-se sua “essência”, seus atributos exclusivos e distintos. Alguns dos primeiros teóricos, como Jean Epstein, reivindicaram um cinema não contaminado pelas outras artes. Outros, como Eisenstein, valorizavam esse diálogo. Nesse cenário, ganham força algumas denominações do cinema: “escultura em movimento”, “pintura em movimento”, “arquitetura em movimento”, “música de luzes”. O denominador comum era a idéia de que o cinema era uma arte.

Nesse sentido, se o cinema era tão bom quanto as outras artes, deveria ser julgado em seus próprios termos. E a França, com suas revistas especializadas e figuras de destaque (Epstein, Delluc, Gance), torna-se um espaço privilegiado para essa discussão. O Manifesto Futurista de 1916 clamava pelo reconhecimento do cinema como uma arte autônoma livre da imitação do teatro. Delluc qualificava o conceito de “fotogenia” como a mais pura expressão do cinema – como a cor está para a pintura e o volume para a escultura – a quintessência inefável. A partir dessa concepção, os críticos impressionistas consideravam que o cinema “não apenas evidencia o movimento poético das coisas no mundo, mas traduz as percepções modificadas da vida humana contemporânea, ou seja, a velocidade, a simultaneidade, a múltipla informação.

O mesmo Delluc referiu-se ao cinema como a “única arte verdadeiramente moderna, por se utilizar da tecnologia com vistas à estilização da vida real”. Para ele, “o movimento e o ritmo compunham a íntima e exclusiva essência da expressão cinematográfica”. Para Gance, o cinema dotaria os seres humanos de uma nova consciência cinestética: “os espectadores ouvirão com os olhos”. Alguns chegavam a considerá-lo como uma experiência corporal e até mesmo sobrenatural. Epstein acreditava na capacidade dessa nova arte de investigar as operações não-linguísticas e não-racionais do inconsciente na existência humana.

Já nesse período, muitos teóricos alertavam contra a tentação do verismo. O cinema deveria abdicar da responsabilidade de contar histórias ou reproduzir realisticamente a “vida real”. O “cinema puro” poderia buscar inspiração, por exemplo, na música e até mesmo nos sonhos.

Por João Marcos Veiga de Oliveira - junho/2009

6 de junho de 2009

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capítulo 3. a teoria da primeira época do cinema mudo

Por ter a reflexão do meio ter nascida junto com o próprio meio, as primeiras teorias apontam para as diversas maneiras de olhar. (diversas designações).

Os primeiros jornais do século falam do cinema com fascinação. As frases são entusiastas da nova arte. Algumas críticas dizem respeito às imperfeições da “engenhoca”: imitação da vida, porém sem cor nem som.

As críticas também apontavam para o potencial unificador do cinema (reconstrução das ruínas de Babel) e de democratização. Os mais pessimistas atentavam para a possibilidade do uso do cinema como instrumento do mal.

Durante o período mudo, países como o Brasil apresentavam mentalidade colonizada (Cinearte, pág. 42).

Teóricos do cinema mudo

Vachel Lindsay: promove a defesa do cinema popular; pré-definição de gêneros; atenta para o prazer da experiência cinematográfica.

Hugo Munsterberg: baseia-se na filosofia neokantiana e na psicologia da recepção. Distingue o progresso interior (princípios estéticos) e exterior (evolução de mecanismos pré-cinematográficos) do cinema. Munsterberg atenta mais para as formas interiores: a linguagem possibilita que episódios banais se transformem em arte. Para ele, a utilização do espaço e do tempo no cinema transcende a dramaturgia teatral, por causa do close-up, efeitos especiais, etc. Sua teoria também enfatiza o espectador ativo e o fenômeno phi (mente constrói um sentido cinético).

Renan Damasceno - maio/2009

capítulo 2. o cinema e a teoria do cinema: os primórdios

Não é possível separar a história da teoria do cinema da história da arte e do discurso artístico, tampouco é possível separá-la da história tout cout.

O cinema, por ter nascido no berço do imperialismo, em época de expansão européia em territórios africanos, se transformou em um instrumento estratégico de projeção dos imaginários nacionais. Assim, o cinema eurocolonial mapeou a história não somente para audiências domésticas, mas para o mundo inteiro. Para o europeu, o cinema promovia uma gratificante sensação de pertencimento, mas para o colonizado trazia um intenso ressentimento.

Ao final deste capítulo, o autor atenta para a intensa produção em países de terceiro mundo, contrapondo à hegemonia hollywoodiana.
Renan Damasceno - maio/2009

capítulo 1. os antecedentes da teoria de cinema

Por ser nova em relação ao estudo das outras artes, a teoria do cinema exibe os traços de teorias anteriores e o impacto dos discursos de áreas vizinhas. A teoria deve ser vista como parte de uma longa tradição de reflexão teórica sobre as artes em geral.

Alguns dos debates antecedentes herdados pela teoria do cinema dizem respeito à estética, à especifidade do meio, ao gênero e ao realismo

Estética:
(do grego aisthesis, que significa percepção, sensação) Surgiu como disciplina autônoma no século XVIII, como estudo da beleza artística e de temas relacionados com o sublime, o grotesco, o cômico e o prazeroso. Na filosofia, estabelece regras que dizem respeito ao Belo.

A discussão estética do cinema procura investigar, entre outras questões, o seu valor como arte e qual sua função social.

Especifidade do meio: Por esta ótica supõe que cada forma de arte apresente normas e possibilidades de expressão bastante peculiares. Grosso modo, o cinema deve obedecer à sua própria lógica em lugar de ser derivativo de outras artes, ou seja, deve fazer o que deve fazer e não os que os outros meios sabem fazer melhor. O cinema tem que se firmar como arte, não apenas reproduzindo as narrativas teatrais e literárias.

A especifidade cinematográfica pode ser abordada:
- tecnologicamente: dispositivos necessários para sua produção
- linguisticamente: matérias de expressão
- historicamente: sua origem
- institucionalmente: processos de produção
- processos de recepção: falar para um ou para todos.

Gênero: A teoria do cinema herdou a reflexão sobre os gêneros literários. O gênero (do latim genus, espécie), serve na classificação das várias espécies de textos literários e no estudo da evolução das formas literárias.

No entanto o cinema toma emprestado várias outras taxonomias. Pode ser definido por seu conteúdo histórico (filmes de guerra), pelo orçamento (blockbusters), locação (faroeste), ou podem muito bem transitarem em mais de um gênero (O filme hollywwodiano pode ser melodrama, comédia ou musical).

Realismo: O realismo ingressa na teoria do cinema sobrecarregado de incrustaçõs milenares dos debates precedentes na filosofia e na literatura. O termo conquistou significância no século XIX, quando passou a denotar um movimento nas artes figurativas e narrativas dedicadas à observação e à meticulosa representação do mundo contemporâneo. Cunhado com um neologismo pelos críticos franceses, o realismo foi associado originalmente a uma postura de oposição aos modelos românticos e neoclássicos na ficção e na pintura.

Um debate estético permanente no interior da teoria do cinema diz respeito aos questionamentos sobre se o cinema deve ser narrativo ou antinarrativo, realista ou anti-realistas, em suma, questionamentos em torno da relação do cinema com o modernismo.

Renan Damasceno - maio/2009

introdução à teoria do cinema

Introdução à teoria do cinema: manual do usuário

“A teoria do cinema é um corpo de conceitos em permanente evolução concebido para explicar o cinema em suas várias dimensões (estética, social, psicológica) para uma comunidade de estudiosos, críticos e espectadores interessados” Robert Stam (trad. Fernando Mascarello)

Introdução à Teoria do Cinema, de Robert Stam, oferece uma visão abrangente da teoria de cinema, tanto para os familiarizados quanto para leigos. Como afirma o autor, é um manual de instruções para a teoria da sétima arte. Seu texto é permeado de ruminanças pessoais, combinando sua voz com a voz dos outros autores. “Não me considero um teórico como tal; sou em vez disso, um usuário e um leitor crítico da teoria, um interlocutor da teoria.”, explica.

Nos 42 capítulos, Stam percorre desde as teorias pré-cinematográficas, que ajudaram na constituição dos primeiros textos sobre o cinema – que dizem respeito às discussões de estética, às especifidade do meio, ao gênero e ao realismo –, até as novas tendências digitais. Nesta colcha de retalhos teóricos, o autor recorre aos principais nomes da teoria do século passado (sem prender aos nomes, como afirma, e sim às idéias): impressionistas franceses, construtivistas russos, os psicólogos e os vanguardistas, além de referir-se constantemente a Bakhtin. O autor baseia-se em múltiplas molduras teóricas necessárias para a compreensão do cinema e combina cada uma dessas.

Apesar de traçar um histórico da crítica de cinema, Stam evita a abordagem cronológica linear da teoria cinematográfica. Em vez disso, apresenta uma teoria que varia conforme o país e época, provando que os movimentos e idéias podem ser convergentes em lugar de sucessivos e mutuamente excludentes. Para o autor, a ordenação sequencial em si já traz o risco de uma falsa casualidade, de que uma teoria vem depois de outra ou por causa de outra.

Universalização – A teoria do cinema é um empreendimento internacional e multicultural, mas frequentemente permanece monolingue, provinciana e chauvinista. Conhecedor da cultura e cinematografia terceiromundista (especialmente do Brasil), Stam espera com sua abordagem mais abrangente multiplicar as perspectivas e pontos de vista. Afinal, todos são dignos de interesse.

A exclusão de autores de fora do eixo Europa-Estados Unidos é, segundo ele, decorrente da hierarquia colonialista que relaciona a Europa a uma mente reflexiva e o resto do mundo a um corpo não reflexivo. Introdução à teoria do cinema rompe esta barreira e apresenta textos ainda pouco explorados, como, no caso brasileiro, Glauber Rocha, as primeiras críticas da revista Cinearte (Adhemar Gonzaga) e a cinematografia de Humberto Mauro.

Renan Damasceno - maio/2009

círculo do paulo

explicar o que é o grupo